“Por que pensais mal nos vossos corações?” - Jesus – Mateus, 9: 4
Uma das maiores dificuldades do homem, em todos os tempos, é a coerência entre o que pensa com o que realiza. Muitas são as criaturas que, observando apenas seus atos exteriores, acreditam-se boas e merecedoras dos apreços e cuidados divinos.
Paulo já falava sobre a angústia provocada por essa dualidade, em uma de suas epístolas, enfatizando a dor que o envolvia, diante dessa situação, quando afirmava: “o que quero, não faço e o que não quero, isso mesmo é o que eu faço”.
Santo Agostinho, em sua “Confissões”, reforçava sobre essas angústias, mostrando o homem que, conhecendo o certo, acaba agindo de maneira voluntariosa, de acordo com os seus instintos e não com a sua razão.
Grande parte da humanidade encontra-se ainda num patamar evolutivo no qual nem existe essa preocupação. Postulam para si o direito à felicidade, mas sem uma preocupação verdadeira com o que seja essa felicidade e com os meios para alcançá-la. Agem próximos aos instintos animalescos, onde os prazeres da mesa e do sexo sobrepõem-se a quaisquer outros, utilizando-se, muitas vezes, da violência, em suas mais diversas formas de expressão, para consegui-los.
Essa parcela dos homens, na realidade, ainda não vive essa dualidade. O grande incômodo com que vivem é o de se depararem com criaturas mais astutas, fortes e violentas, as quais levam os mais fracos a sofrerem o impacto da força e, nestes casos, da dor e da opressão.
Aqueles que já conhecem as verdades evangélicas e as assimilam no campo da razão, encontram-se em outro degrau evolutivo. Nesse grupo encontra-se a grande maioria dos religiosos, os quais convivem com a dualidade do bem e do mal, falando muito do primeiro, mas ainda quedando-se à ação do segundo.
Nesse estágio evolutivo, os qual enfrentamos as reais dores morais, o homem geralmente age em dois importantes pólos: num primeiro, pregam e acreditam na necessidade do bem, mas fragilizados em suas conquistas, caminham na realização de seus pendores inferiores, causando-lhes grande sofrimento, quando mergulham no remorso, vendo-se afogados em suas culpas. Do outro lado, os que inibem as expressões visíveis vinculadas aos seus sentimentos infelizes, mas quando têm a oportunidade de agirem às escondidas, fazem-no; ou vibram numa faixa mental inferior constante, que os mantém em padrões energéticos complicadores, apesar da aparência de superioridade. Estes carreiam também o sofrimento, mas buscam negá-lo, optando por viverem na ilusão. Negam as suas culpas e tomam, muitas vezes, para si, o direito de se julgarem e aos outros, presas de uma aparente grandeza moral.
O primeiro grupo espelha o publicano que, reconhecendo o pecado e a necessidade do perdão, permanece no lugar da “minha culpa”, agindo da mesma forma anterior. O segundo foi definido por Jesus como “túmulos caiados de branco”, representados pelos sacerdotes e os fariseus, caracterizados pela falsidade dos seus valores e pela hipocrisia de seus atos.
No campo religioso, em todos os tempos, continua a presença desses elementos, constituindo a grande maioria dos profitentes. Certamente, é para essas criaturas que Jesus dirige mais diretamente a pergunta: “Por que pensais mal em vossos corações?”.
A proposta do Evangelho é de reforma e transformação, mas como diz a expressão é de “reforma íntima”. O convite é para que haja uma mudança interior. A questão fundamental é de “essência” e não de “aparência”, mesmo porque as mudanças externas são maquilagens e não resistem às intempéries do tempo. As verdadeiras transformações são de base, de paradigmas, seguidas pela renovação de atitudes.
Se a grande maioria da humanidade, movida apenas pelos seus instintos, provoca enormes calamidades, assustando os demais e causando dores imensas a todos, essa parcela importante dos religiosos, que apregoa o que não faz ou finge atitudes, para as quais descrê dos seus valores, não atua diferentemente. Perturba os que querem modificar-se, que, ao verem as suas atitudes, fazem-se descrentes dos valores morais superiores; paralisa o crescimento da humanidade, como um todo, pela incoerência de suas posturas, além de dar forças ao grupo dos brutos, que se vêem referendados em suas atitudes, e de utilizar-se deles para realizarem aquilo que carrega na profundidade de seu ser, seus verdadeiros interesses e princípios. Sobre esse grupo, Jesus se referiu como os que se postam nas portas dos templos, não entram e nem deixam os demais entrarem.
O chamamento de Jesus é de completa transformação. No entanto, isso não significa uma mudança abrupta e total, mas de um encadeamento de ações coerentes, onde o homem poste-se de acordo com aquilo que já sedimentou em sua alma. Uma luta árdua, pelas tendências do passado milenar, quando nos prendemos aos prazeres imediatistas da vida, mas que, se vivida com a sinceridade necessária, será oportunidade inigualável para um crescimento, com a consequente conquista da Felicidade.
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Roberto Lúcio Vieira de Souza - Revista Delfos
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