OBSERVAÇÃO DO COMPILADOR:
Do romance Redenção, ditado pelo Espírito de Victor Hugo e escrito pela médium
Zilda Gama, escolhemos uma bela passagem em que o autor espiritual tece
comentários a respeito do pai e da mãe.
"... Lágrimas pungentes deslizaram
pelo rosto de Dusmenil. Por momentos, comparou a desigualdade de sentimentos e
atitudes dos seres humanos: há pais extremosos que se amofinam,1 se torturam e
sucumbem de saudades vendo os filhinhos partirem para o Além, para as mansões
serenas, para o Lar do Criador; há monstros que lhes dão o ser e logo após os
atiram aos rigores das invernias, sem uma expressão de piedade! E suas mãos não
tremem ao escrever uma invocação de morte para uma frágil, indefesa e
desventurada criancinha.
Ele que
se expunha às intempéries e borrascas de neve por amor ao filhinho que já não
podia beijar, encontrou, quase inanimado e gélido, arrojado à estrada deserta,
forrada de gelo, um pequenino ser enjeitado pelos próprios pais...
Há
celerados que, gerando entes misérrimos, não deveriam receber a excelsa
denominação de Pais, mas de reprodutores, como os brutos.
Pai é o
protetor da candura, da inocência, da fragilidade infantil e pode sê-lo
espiritualmente, como Jesus, que não ligou sua existência a de outro ser pelo
consórcio civil, mas vinculou-se a todos os seres deste orbe de acerbas
provações, pelos elos da paternidade psíquica; é o representante do Onipotente
na Terra. O arrimo das almas que, ainda turbadas com a queda do Espaço, como
andorinhas ébrias de luz, buscam o ninho tépido e veludoso do seu amor, dos seus
beijos, uma paragem hospitaleira onde possam acolher-se temporariamente sob as
asas níveas da ternura dos que as atraíram, como magnetos,2 das alturas
consteladas aos pauis3 do sofrimento...
Negar-lhes o apoio, o carinho, a afeição; recusar-lhes ósculos e afagos e
dar-lhes bofetadas e doestos;4 não deter os inexperientes jovens no resvaladouro
dos vícios e das paixões; atirá-los às enxovias5 ou aos prostíbulos - é ser
monstro e não pai. Para esses infortunados, deveria existir no vocabulário
humano, tão fértil em sinônimos, uma outra expressão.
Renegar
um filho é suprema ofensa às leis da Criação; é tornar-se inferior a alguns
felinos sedentos de sangue, que devoram a prole ao nascer. Quem assim procede,
ofende o Altíssimo e a Humanidade: ao Altíssimo porque cerra a porta do lar ao
peregrino que lhe Ele enviou para proteger, educar, amar; à Humanidade porque,
em vez de ser útil à coletividade, com a sua desídia,6 com o abandono de
criancinhas à mercê da sorte, atira-lhe meretrizes ou bandidos - que são feras bímanas,7 que só têm olhos de milhafre8 para sondar as trevas em que se acobertam
para arrancar o ouro alheio; só têm mãos para brandir punhais, navalhas ou
bacamartes; boca para proferir obscenidades9 e blasfêmias!
Se é
crime revoltante o que pratica o homem expulsando um filho do lar, imperdoável
se torna quando perpetrado pela mulher.
Ser mãe é
ser Níobe - petrificada de dor e colada ao cadáver do filho assassinado.
Dizer-se
Mãe é dizer ternura, carinho, sacrifício, perdão, amparo, amor
santificado. Para a verdadeira mãe não há filhos monstruosos, mas desventurados;
todos são belos porque vistos através do telescópio encantado do coração, do
cristal dos olhos lucificados10 de lágrimas!
Mãe que
repudia o fruto de suas entranhas, faz-se mais ínfima que os irracionais: deixa
que o pelicano a supere em carícia, sacrifício, afeto, quando arranca as
próprias penas para aveludar o ninho dos filhotinhos!
Para ser
mãe não basta ser fêmea - sim, sobretudo, anjo tutelar dos berços e da candura
infantil; fanal das consciências ainda embrionárias, ósculo para enxugar as
primeiras lágrimas; mãos para afagar e cerrar os olhos antes de adormecer ou de
o levarem ao túmulo; boca para elevar preces ao Criador e hinos para acalentar o
gentil romeiro que lhe envia o Céu... ou lhe vem dos báratros11 das paixões
tenebrosas, para que lhe aponte os páramos12 azuis, e galgue, com ele, a escada da
Redenção.
Os
entezinhos que o Sempiterno confia à mulher são satélites do espírito materno,
que ela deve enfeudar13 na Terra e no Espaço, qual o faz Ele às estrelas - prantos
divinos, cristalizações de luz, filhas rutilantes que espalhou no Empíreo,14 para
acolher os filhos das trevas, redimidos nos calabouços que são os planetas
inferiores!
Ser mãe é
ser arcanjo, cujas plumas alvinitentes15 - ocultas no estojo da carne - se
expandem sempre junto ao berço dos seus encantos - redutos de todas as
felicidades mundanas e divinas, ou à beira dos pequeninos sepulcros - onde
soterram todas as venturas, ilusões, esperanças terrenas!
Ser mãe é
refletir a projeção luminosa e protetora do vulto açucenal de Maria de Nazaré -
síntese de todas as excelsitudes, amarguras, glórias e martírios do coração
materno, acompanhando o celestial Bambino, da gruta de Belém aos cimos do
Gólgota, o qual, por isso, das alturas etéreas onde se acha, sorri às mães
devotadas, estende-lhes os braços infinitos no amor e na piedade, enxuga-lhes o
pranto, muitas vezes, nas dobras resplandecentes do seu manto de névoas
douradas, constelado de todas as virtudes!"
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(Espírito de Victor Hugo - Médium:
Zilda Gama - Obra: Redenção, editada pela FEB).
1= afligem - 2= ímãs - 3=
pântanos - 4= injúrias, acusações desonrosas - 5= prisões escuras, úmidas e
escuras - 6= preguiça, desleixo, descaso - 7= que têm duas mãos; espécie humana
- 8= ave de rapina européia - 9= qualidades de obsceno; que fere o pudor - 10=
cheios de luz - 11= abismo, precipício, inferno - 12= firmamento - 13= dar em
feudo (propriedade nobre); submeter; entregar-se uma pessoa a outra - 14= morada
dos deuses; céu - 15= de brancuras imaculadas.
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