quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Ódio e Suicídio


  Herdeiro de si mesmo, carregando, no inconsciente, as experiências transatas, o homem não foge aos atavismos que o jungem ao primitivismo, embora as claridades arrebatadoras do futuro chamando-o para as grandes conquistas. 

Liberar-se do forte cipoal das paixões animalizantes para os logros da razão é o grande desafio que tem pela frente. Onde quer que vá, encontra-se consigo mesmo. 

A sua evolução sócioantropológica é a história das contínuas lutas, em que o artista — o Espírito — arranca do bloco grotesco — a matéria — as expressões de beleza e grandiosidade que lhe dormem imanentes. 

Os mitos de todos os povos, na história das artes, das filosofias e das religiões, apresentam a luta contínua do ser libertando-se da argamassa celular, arrebentando algemas para firmar-se na liberdade que passa a usar, agressivamente, no começo, até converter-se em um estado de consciência ética plenificador, carregado de paz. Em cada mito do passado surge o homem em luta contra forças soberanas que o punem, o esmagam, o dominam. Gerado o conceito da desobediência, o reflexo da punição assoma dominador, reduzindo o calceta a uma posição ínfima, contra a qual não se pode levantar, sequer justificar a fragilidade. 

Essa incapacidade de enfrentar o imponderável — as forças desgovernadas e prepotentes — mais tarde se apresenta camuflada em forma de rebelião inconsciente contra a existência física, contra a vida em si mesma. 

Obrigado mais a temer esses opressores, do que a os amar, compelido a negociar a felicidade mediante oferendas e cultos, extravagantes ou não, sente-se coibido na sua liberdade de ser, então rebelando-se e passando a uma atitude formal em prejuízo da real, a um comportamento social e religioso conveniente ao invés de ideal, vivendo fenômenos neuróticos que o deprimem ou o exaltam, como efeitos naturais de sua rebelião íntima. Ao mesmo tempo, procurando deter os instintos agressivos nele jacentes, sem os saber canalizar, sofre reações psicológicas que lhe perturbam o sistema emocional.

 O ressentimento — que é uma manifestação da impotência agressiva não exteriorizada — converte-se em travo de amargura, a tornar insuportável a convivência com aqueles contra os quais se volta. Antegozando o desforço — que é a realização íntima da fraqueza, da covardia moral — dá guarida ao ódio que o combure, tornando a sua existência como a do outro em um verdadeiro inferno. 

O ódio é o filho predileto da selvageria que permanece em a natureza humana. Irracional, ele trabalha pela destruição de seu oponente, real ou imaginário, não cessando, mesmo após a derrota daquele. Quando não pode descarregar as energias em descontrole contra o opositor, volta-se contra si mesmo articulando mecanismos de autodestruição, graças aos quais se vinga da sociedade que nele vige. 

Os danos que o ódio proporciona ao psiquismo, por destrambelhar a delicada maquinaria que exterioriza o pensamento e mantém a harmonia do ser, tornam-se de difícil catalogação. Simultaneamente, advêm reações orgânicas que se refletem nas funções hepáticas, digestivas, circulatórias, dando origem a futuros processos cancerígenos, cardíacos, cerebrais... 

A irradiação do ódio é portadora de carga destrutiva que, não raro, corrói as engrenagens do emissor como alcança aquele contra quem vai direcionada, caso este sintonize em faixa de equivalência vibratória. Lixo do inconsciente, o ódio extravasa todo o conteúdo de paixões mesquinhas, representativas do primarismo evolutivo e cultural. Algumas escolas, na área da psicologia, preconizam como terapia, a liberação da agressividade, do ódio, dos recalques e castrações, mediante a permissão do vocabulário chulo, das diatribes nas sessões de grupo, das acusações recíprocas, pretendendo o enfraquecimento das tensões, ao mesmo tempo a conquista da auto-realização, da segurança pessoal. 

Sem discutirmos a validade ou não da experiência, o homem é pássaro cativo fadado a grandes vôos; ser equipado com recursos superiores, que viaja do instinto para a razão, desta para a intuição e, por fim, para a sua fatalidade plena, que é a perfeição. Uma psicologia baseada em terapêutica de agressão e libertação de instintos, evitando as pressões que coarctam os anseios humanos, certamente atinge os primeiros propósitos, sem erguer o paciente às cumeadas da realização interior, da identificação e vivência dos valores de alta monta, que dão cor, objetivo e paz à existência. 

Assumir a inferioridade, o desmando, a alucinação é extravasá-los, nunca sanar o mal, libertar-se dele por desnecessário. Se não é recomendável para as referidas escolas, a repressão, pelos males que proporciona, menos será liberar alguns, aos outros agredindo, graças aos falsos direitos que tais pacientes requeiram para si, arremetendo contra os direitos alheios. A sociedade, considerada como castradora, marcha para terapias que canalizem de forma positiva as forças humanas, suavizando as pressões, eliminando as tensões através de programas de solidariedade, recreio e serviços compatíveis com a clientela que a constitui. 

O ódio pressiona o homem que se frustra, levando-o ao suicídio. Tem origens remotas e próximas. Nas patologias depressivas, há muito fenômeno de ódio embutido no enfermo sem que ele se dê conta. A indiferença pela vida, o temor de enfrentar situações novas, o pessimismo disfarçam mágoas, ressentimentos, iras não digeridas, ódios que ressumam como desgosto de viver e anseio por interromper o ciclo existencial. Falhando a terapia profunda de soerguimento do enfermo, o suicídio é o próximo passo, seja através da negação de viver ou do gesto covarde de encerrar a atividade física. Todos os indivíduos experimentam limites de alguma procedência. 

Os extrovertidos conquistadores ocultam, às vezes, largos lances de timidez, solidão e desconfiança, que têm dificuldade em superar. Suas reuniões ruidosas são mais mecanismos de fuga do que recursos de espairecimento e lazer. Os alcoólicos que usam, as músicas ensurdecedoras que os aturdem, encarregam-se de mantê-los mais solitários na confusão do que solidários uns com os outros. 

As gargalhadas, que são esgares festivos, substituem os sorrisos de bem-estar, de satisfação e humor, levando-os de um para outro lugar-nenhum, embora se movimentem por cidades, clubes e reuniões diversos. O ser humano deve ter a capacidade de discernimento para eleger os valores compatíveis com as necessidades reais que lhe são inerentes. Descobrir a sua realidade e crescer dentro dela, aumentando a capacidade de ser saudável, eis a função da inteligência individual e coletiva, posta a benefício da vida.

 As transformações propõem incertezas, que devem ser enfrentadas naturalmente, como as oposições e os adversários encarados na condição de ocorrências normais do processo de crescimento, sem ressentimentos, nem ódios ou fugas para o suicídio. O homem que progride cada dia, ascende, não sendo atingido pelas famas dos problematizados que o não podem acompanhar, por enquanto, no processo de crescimento. Alcançado o acume desejado, este indivíduo está em condições de descer sem diminuir-se, a fim de erguer aquele que permanece na retaguarda. Ora, para alcançar-se qualquer meta e, em especial, a da paz, torna-se necessário um planejamento, que deflui da autoconsciência, da consciência ética, da consciência do conhecimento e do amor. O planejamento precede a ação e desempenha papel fundamental na vida do homem. Somente uma atitude saudável e uma emoção equilibrada, sem vestígios de ódio, desejo de desforço, podem planejar para o bem, o êxito, a felicidade. 
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O Homem Integral 
Joanna de Ângelis 
Divaldo Pereira Franco  



MENSAGEM DO ESE:

Parábola do festim de bodas

Falando ainda por parábolas, disse-lhes Jesus: O reino dos céus se assemelha a um rei que, querendo festejar as bodas de seu filho, — despachou seus servos a chamar para as bodas os que tinham sido convidados; estes, porém, recusaram ir. — O rei despachou outros servos com ordem de dizer da sua parte aos convidados: Preparei o meu jantar; mandei matar os meus bois e todos os meus cevados; tudo está pronto; vinde às bodas. Eles, porém, sem se incomodarem com isso, lá se foram, um para a sua casa de campo, outro para o seu negócio. — Os outros pegaram dos servos e os mataram, depois de lhes haverem feito muitos ultrajes. — Sabendo disso, o rei se tomou de cólera e, mandando contra eles seus exércitos, exterminou os assassinos e lhes queimou a cidade.

Então, disse a seus servos: O festim das bodas está inteiramente preparado; mas, os que para ele foram chamados não eram dignos dele. Ide, pois, às encruzilhadas e chamai para as bodas todos quantos encontrardes. — Os servos então saíram pelas ruas e trouxeram todos os que iam encontrando, bons e maus; a sala das bodas se encheu de pessoas que se puseram à mesa.

Entrou, em seguida, o rei para ver os que estavam à mesa, e, dando com um homem que não vestia a túnica nupcial, — disse-lhe: Meu amigo, como entraste aqui sem a túnica nupcial? O homem guardou silêncio. — Então, disse o rei à sua gente: Atai-lhe as mãos e os pés e lançai-o nas trevas exteriores: aí é que haverá prantos e ranger de dentes; — porquanto, muitos há chamados, mas poucos escolhidos. 

(S. MATEUS, cap. XXII, vv. 1 a 14.)

O incrédulo sorri a esta parábola, que lhe parece de pueril ingenuidade, por não compreender que se possa opor tanta dificuldade para assistir a um festim e, ainda menos, que convidados levem a resistência a ponto de massacrarem os enviados do dono da casa. “As parábolas”, diz ele, o incrédulo, “são, sem dúvida, imagens; mas, ainda assim, mister se torna que não ultrapassem os limites do verossímil”.

Outro tanto pode ser dito de todas as alegorias, das mais engenhosas fábulas, se não lhes forem tirados os respectivos envoltórios, para ser achado o sentido oculto. Jesus compunha as suas com os hábitos mais vulgares da vida e as adaptava aos costumes e ao caráter do povo a quem falava. A maioria delas tinha por objeto fazer penetrar nas massas populares a idéia da vida espiritual, parecendo muitas ininteligíveis, quanto ao sentido, apenas por não se colocarem neste ponto de vista os que as interpretam.

Na de que tratamos, Jesus compara o reino dos Céus, onde tudo e alegria e ventura, a um festim. Falando dos primeiros convidados, alude aos hebreus, que foram os primeiros chamados por Deus ao conhecimento da sua Lei. Os enviados do rei são os profetas que os vinham exortar a seguir a trilha da verdadeira felicidade; suas palavras, porém, quase não eram escutadas; suas advertências eram desprezadas; muitos foram mesmo massacrados, como os servos da parábola. Os convidados que se escusam, pretextando terem de ir cuidar de seus campos e de seus negócios, simbolizam as pessoas mundanas que, absorvidas pelas coisas terrenas, se conservam indiferentes às coisas celestes.

Era crença comum aos judeus de então que a nação deles tinha de alcançar supremacia sobre todas as outras. Deus, com efeito, não prometera a Abraão que a sua posteridade cobriria toda a Terra? Mas, como sempre, atendo-se à forma, sem atentarem ao fundo, eles acreditavam tratar-se de uma dominação efetiva e material.

Antes da vinda do Cristo, com exceção dos hebreus, todos os povos eram idólatras e politeístas. Se alguns homens superiores ao vulgo conceberam a idéia da unidade de Deus, essa idéia permaneceu no estado de sistema pessoal, em parte nenhuma foi aceita como verdade fundamental, a não ser por alguns iniciados que ocultavam seus conhecimentos sob um véu de mistério, impenetrável para as massas populares. Os hebreus foram os primeiros a praticar publicamente o monoteísmo; é a eles que Deus transmite a sua lei, primeiramente por via de Moisés, depois por intermédio de Jesus. Foi daquele pequenino foco que partiu a luz destinada a espargir-se pelo mundo inteiro, a triunfar do paganismo e a dar a Abraão uma posteridade espiritual “tão numerosa quanto as estrelas do firmamento”. Entretanto, abandonando de todo a idolatria, os judeus desprezaram a lei moral, para se aferrarem ao mais fácil: a prática do culto exterior. O mal chegara ao cúmulo; a nação, além de escravizada, era esfacelada pelas facções e dividida pelas seitas; a incredulidade atingira mesmo o santuário. Foi então que apareceu Jesus, enviado para os chamar à observância da Lei e para lhes rasgar os horizontes novos da vida futura. Dos primeiros a ser convidados para o grande banquete da fé universal, eles repeliram a palavra do Messias celeste e o imolaram. Perderam assim o fruto que teriam colhido da iniciativa que lhes coubera.

Fora, contudo, injusto acusar-se o povo inteiro de tal estado de coisas. A responsabilidade tocava principalmente aos fariseus e saduceus, que sacrificaram a nação por efeito do orgulho e do fanatismo de uns e pela incredulidade dos outros.

São, pois, eles, sobretudo, que Jesus identifica nos convidados que recusam comparecer ao festim das bodas. Depois, acrescenta: “Vendo isso, o Senhor mandou convidar a todos os que fossem encontrados nas encruzilhadas, bons e maus.” Queria dizer desse modo que a palavra ia ser pregada a todos os outros povos, pagãos e idólatras, e estes, acolhendo-a, seriam admitidos ao festim, em lugar dos primeiros convidados.

Mas não basta a ninguém ser convidado; não basta dizer-se cristão, nem sentar-se à mesa para tomar parte no banquete celestial. É preciso, antes de tudo e sob condição expressa, estar revestido da túnica nupcial, isto é, ter puro o coração e cumprir a lei segundo o espírito. Ora, a lei toda se contém nestas palavras: Fora da caridade não há salvação. Entre todos, porém, que ouvem a palavra divina, quão poucos são os que a guardam e a aplicam proveitosamente! Quão poucos se tornam dignos de entrar no reino dos céus! Eis por que disse Jesus: Chamados haverá muitos; poucos, no entanto, serão os escolhidos.
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(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVIII, itens 1 e 2.)



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